Audi RS Q8: testamos a Lamborghini disfarçada que custa R$ 2 mi a menos
É óbvio que não se enxerga nada muito racional em um SUV. Ainda menos se ele vier vestido em uma cor verde, chamada de Java, que transmite o mesmo pânico de quando se admira as costas de uma mosca varejeira. Complemente isso com rodas de aro 23" e um ronco que parece o despertar do vulcão Etna. Pronto, a tese da razão se esvai. Fica só o delírio. Mas, acredite, não é bem assim...
Traga o Audi RS Q8 para o microcosmos dos SUVs superesportivos. Em sua categoria que você encontrará BMW X6M, Porsche Cayenne Coupé Turbo S e-Hybrid e Lamborghini Urus. E é este último, sob a égide do touro italiano que baliza sonhos e conquistas.
Tudo bem, o Porsche tem o mesmo motor 4.0 V8 do RS Q8 e do Urus, e ainda usa a força da eletricidade para entregar 680 cv, 30 cv a mais que o touro, 80 cv a mais que o verde java do vídeo, e ainda custa o mesmo que o Audi.
Contudo, Cayenne e X6M padecem da falta do frescor da novidade. Ainda que venham sendo sempre aperfeiçoados há quase duas décadas, são nomes que não detêm mais o poder de impressionar.
E para quem gasta R$ 1 milhão ou mais em um carro... isso incomoda. Você chega com um dos dois no almoço de domingo e seu cunhado diz "legal, hein? Mas você viu aquele novo da Audi?
E aquele da Lamborghini?". Ainda que você justifique sua escolha com argumentos técnicos e fatos, as pessoas querem saber do que é novidade, do último lançamento. E é isso o que Urus e RS Q8 são.
Para ter um Lamborghini, você terá que desembolsar R$ 3 milhões. E, em suma, estará no mesmo carro de quem eleger o RSQ8 para chamar de seu. Sim. Eles são, na essência o mesmo carro. Mudam painéis frontais, traseiros e o acabamento interno. E, claro, o status.
Mas até onde isso vale R$ 2 milhões? Se toda a arquitetura é igual? A plataforma MLB Evo, o motor, a tração... Tudo univitelinamente igual. É isso que contamos a partir de agora.
Foto: Divulgação
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Tudo começou lá em 2017. Os italianos, já comprados pelos alemães do Grupo Volkswagen, dobraram a produção de sua planta em Sant'Agata Bolognese, norte da Itália e pararam de produzir apenas carros com altura de crianças de 10 anos.
No carrinho de compras estavam uma plataforma modular para motores longitudinais, o motor 4.0 V8 biturbo do Audi RS6, a suspensão a ar desenvolvida para o Bentlley Bentayga, componentes internos no painel do Audi SQ7 e o sistema de tração Quattro.
E é exatamente a mesma lista de compras que os alemães tinham em Ingolstadt. Com a sorte de pegar tudo isso em Wolfsburg, a apenas 5h de carro dali.
A diferença, além da estética, está na programação do motor. Enquanto o V8 da Audi gera 600 cv e 81,6 mkgf de torque, o da Lamborghini produz 650 cv de potência e torque de 86,7 mkgf. No entanto, para mover algo com o peso de uma quitinete, não faz assim tanta diferença.
O que nota-se no RS Q8 é que, a exemplo de todos os carros que combinam esse motor com o câmbio ZF de 8 marchas, a saída é um tanto atrasada. Comparado ao RS4, 2.9 V6 biturbo, que dirigimos há algumas semanas, que desperta e parece já querer quebrar um recorde mundial, aqui há uma esfregada nos olhos antes disso.
Ao acelerar forte estando atrás do volante, você não entende o motivo de tanta gente virar a cabeça para distinguir o que vem vindo na rua, rugindo como o apocalipse. O interior é irritantemente isolado, poucas notas que saem do escapamento chegam aos seus ouvidos, o que lhe obriga a dirigir com os vidros abertos para ter a real sensação de estar em um esportivo desse calibre.
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Na cabine os bancos, o volante, o painel e os detalhes metálicos estão no mesmo nível de qualidade que a sua voracidade. Sim, a partir dos 50 km/h, e de pé embaixo, você tem de estar em ambiente controlado para manter isso por mais de 15 segundos. É estupidamente bom.
O painel de instrumentos pode tanto informar-lhe sobre consumo, autonomia, velocidade e rotações por minuto, quanto a potência e o torque entregues naquele momento. Basta clicar na tecla RS do lado direito do volante que você terá dois mapas novos de entrega de tração, força, estabilidade e direção.
Na opção RS2 ele abaixa 8 cm de sua carroceria, em comparação com o modo off-road, anula o controle de estabilidade e deixar as quatro rodas ligadas em cada deslizada que você pode dar com os imensos pneus de aro 23".
Motor e câmbio ficam irritados como um enxame de abelhas e o ronco lá atrás, até que enfim, pode invadir a cabine. Dessa maneira a saída se torna menos morosa do que no modo "Comfort" e quase elimina sua tendência sobrenatural de empinar a frente.
Depois de alguns testes dinâmicos, espasmos, delírios e sustos reais, troquei as calças e voltei ao modo Comfort. Coloquei quatro adultos dentro do carro e decidi conferir se, na vida real e pacata de quem ganha o suficiente para gastar R$ 1 milhão em um carro, ele se comportaria bem.
Foto: Divulgação
E a resposta é sim... e não. Sim, porque obviamente as pessoas ficam impressionadas com o espaço surreal que se tem lá dentro. O carona fica trocando as cores que iluminam os frisos internos, além de estar sempre conferindo como estão a temperatura de óleo, transmissão e freios no "monitor RS". E, para quem é mais romântico, passará a viagem toda olhando para o céu pelo teto panorâmico. É tudo lindo para eles.
Para quem dirige também, mas nem tanto. Como todo esportivo com potência e torque para rebocar uma ilha, ele traz alguns inconvenientes. Você deve evitar buracos, algo que só é possível no Brasil dentro de (alguns) autódromos. O volante copia muito do que está lá fora e é inegável que as pancadas podem dirimir o conforto que um SUV com porta-malas de 605 litros sugere.
Nisso o BMW X7 mantém-se insuperável, mas, claro, não anda tanto quanto o RS Q8. Além do incômodo, você sempre terá de lembrar que está passeando sobre pneus de aro 23" de medida 295/40, que custam em promoção mais de R$ 3.500 cada. Não que isso seja um problema para quem R$ 1 milhão, mas quem tem grana não quer perder em nada.
E há mais coisas que podem fazer você gastar muito com ele. E nem estou falando do consumo na cidade, que com cuidado atingiu 4,4 km/l no nosso teste. A Audi tem uma sugestiva paleta de cores especiais, como a verde Java do carro das fotos, e entre as mais legais um lilás metálico e um dourado que farão sua cabeça dar piruetas ao vê-lo passar. Só que essa exclusividade custa R$ 37.000.
E não para por aí. Ele também pode ser equipado com freios de carbono-cerâmica, que o farão parar em menos de 25 m vindo a 80 km/h. Muito importante para um carro que tem faróis matrix-LED caríssimos e todos os sensores de condução semi-autônoma e visão noturna ali na grade. Ah, e claro, que pesa 2.315 kg. Só que essa opção de freios custa R$ 95.000! É mais que um VW Nivus zero km.
Ainda assim, nestas condições, eu colocaria tudo o que têm direito. E sei que isso pode parecer um delírio. Não é. É racional. Lembre-se sempre que, em algum lugar, outra pessoa estará andando por aí com seu Lamborghini Urus, com exatamente o mesmo pacote de equipamentos, mas tendo pago R$ 2 milhões a mais.
Foto: Divulgação Fonte: UOL
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